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  • Foto do escritorDr. André Couto e Gama

9. O que é o Sistema de Saúde Privado (SSP)?

Para se tratar como um sistema o setor privado da assistência à Saúde, que é composto pelas operadoras de planos e seguros de Saúde, bem como por hospitais, clínicas, laboratórios e consultórios particulares, fazem-se necessárias boas justificativas. Ou seja, é essencial esclarecer como seria possível agrupar profissionais e instituições que possuem características por vezes tão assimétricas e díspares em um mesmo conjunto.

Diante desse propósito, deve-se responder qual a adequação interna que todas essas pessoas, reunidas em grupo ou não, devem observar[1]. Ou seja, qual o alicerce que se sustentam. A inferência lógica parece apontar, justamente, para o termo “saúde”, mas certamente não é tão simples assim.

Para além das indagações importantes sobre o que seria o conceito de saúde e doença para uma população, verifica-se que o ponto de partida já está muito bem definido: a Constituição Federal, a mais importante Lei que traça todos os principais pontos da organização do Estado brasileiro, diz que a Saúde é um direito social[2] e que as ações e serviços decorrentes dela têm relevância pública[3]. Nesta específica questão, não interessa se a assistência à Saúde é realizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou pelo setor privado. Não existe, segundo essas regras, “dois tipos” de Saúde (uma pública, outra privada). Toda ela é de relevância pública, independentemente do setor a efetivá-la. Entendimento diverso implicaria em se entender a Saúde Suplementar como “residual” ao Sistema de Saúde Privado (SUS), descomprometida da política de Saúde estabelecida pela Constituição. Mas como os serviços são sim de relevância pública, do individual ao grupo, todo o setor privado deve garantir que as relações na assistência não se igualem àquelas que caracterizam, e.g., as relações mercantis ou do comércio em geral. Isso pode ser observado desde a criação, pela Constituição Federal, do Sistema de Saúde Privado (SSP), quando se verifica que o Conselho Federal de Medicina (CFM) manteve a advertência segundo a qual “a Medicina não pode, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, ser exercida como comércio[4]”. Da mesma forma vem seguindo o Conselho Federal de Odontologia (CFO), com expresso repúdio a atos profissionais que impliquem em comercialização da Odontologia[5]. Essas advertências éticas, de aplicação direta a todos os profissionais médicos e odontológicos, estendem-se duplamente dentro dos Planos e Seguros de Saúde. A primeira é de fácil dedução: os profissionais que possuem código de conduta devem por ele se pautar, encontrando-se ou não na função de gestor; a segunda advém de ordem do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), entidade que regulamenta, fiscaliza e controla o setor[6], que fixou regra segundo a qual é obrigatória a observância do Código de Ética Médica e o da Odontologia por todas as operadoras[7]. A expansão do alcance deontológico das normas médicas e odontológicas chega, assim, em todas as profissões ligada às operadoras, ainda que essas profissões, pela sua natureza, não tenham o próprio código ético de conduta.

Daí se verifica que o Sistema de Saúde Privado (SSP), ao contrário dos diversos segmentos do comércio em geral, faz parte de uma política Estatal (Sistema Nacional de Saúde) que o regulamenta, o fiscaliza e o controla[8], fixando nele um objeto permanente, que é a relevância pública dos serviços e ações de Saúde voltadas à redução do risco de doença e de outros agravos[9], bem como para promoção, proteção e recuperação da saúde[10]. Deste modo, o exercício de atividades privadas em Saúde não pode desviar-se desse foco, ficando claro que ações, programas e serviços, tanto públicos quanto de iniciativa privada, devem ocorrer para influenciar positivamente a vida dos cidadãos.

A Gestão em Saúde, a partir disso, deve observar que os pontos de tensão entre o planejamento em Saúde e a lógica de mercado têm a tendência real de superação do primeiro pelo segundo[11], devendo desde já estar preparada para este enfrentamento: manter os interesses gerais da sociedade acima dos interesses particulares. Assim, um Sistema de Saúde Privado (SSP) com essas características irá gerar consequências quando o assunto for a efetivação (concretização) dos serviços assistenciais, com destaque nos temas sobre acesso e cobertura.



 


[1] CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. 5ª ed. Trad. Menezes Cordeiro. Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian. 2012, p. 76 e seg.

[2] Cf. art. 6º, in BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, 1988.

[3] Cf. art. 197, in BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, 1988.

[4] Vide art. 9º do então Código de Ética Médica de 1988, in CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 1.246 / 1988 [Código de Ética Médica]. Brasília: CFM, 1988; mantido pelo inciso IX do Código de Ética Médica de 2009, in CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009 [Código de Ética Médica]. Brasília: CFM, 2009; bem como no inciso IX do atual Código de Ética Médica, in CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018 [Código de Ética Médica]. Brasília: CFM, 2018.

[5] Vide art. 44, inciso I, in CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA. Resolução CFO nº 118, de 11 de maio de 2012 [Código de Ética do Odontologia]. Brasília: CFO, 2012.

[6] Cf. art. 35-A, in BRASIL. Lei 9.656, de 03 de julho de 1998. Brasília, DF: Presidente da República, 1998.

[7] Cf. art. 2o, inciso I in BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. CONSELHO DE SAÚDE SUPLEMENTAR (CONSU). Resolução no 08, de 03 de novembro de 1998. Brasília, DF: Presidente do Conselho de Saúde Suplementar, publicado no dia 04 de novembro de 1998.

[8] Cf. art. 197, in BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, 1988.

[9] Cf. art. 196, in BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, 1988.

[10] Cf. art. 20, in BRASIL. Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990. Brasília, DF: Presidente da República, 1990.

[11] RIVERA, Francisco Javier Uribe; ARTMANN, Elizaberth. Planejamento e Gestão em Saúde: conceitos, história e propostas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012, p. 21.

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